socorro

“espectadores e ouvintes não tardarão a descobrir o que procuraram os intérpretes. as coisas se passam como num teatro de marionetes quando heróis são ameaçados pelo crocodilo.”
Peter Handke





Socorro é um trabalho de dança contemporânea para um corpo que se movimenta em diálogo com a ação e tece com a palavra uma dramaturgia para a dança. O espetáculo traça o intercâmbio entre a dança contemporânea e o Teatro de Formas Animadas. Uma construção híbrida que experimenta o encontro entre essas linguagens. Tem a duração aproximada de 60 minutos e é baseado livremente na obra Gritos de Socorro (Hilferufe) do autor austríaco Peter Handke.









 

 




Espetáculo: Socorro
Realização: Ronda Grupo
Classificação: livre
Duração: 60 minutos

Direção/Concepção: Zilá Muniz

Dançarinos: Egon Seidler
Karina Degregório
Paula Bittencourt
Vicente Mahfuz

Consultoria em Formas Animadas: Valmor Nini Beltrame
Bonecos: Marcos Oliveira

Cenário: Fernando Marés
Iluminação: Camila Ribeiro e Irani Apolinário
Montagem e operação de luz: Greice Miotello
Figurino: Zilá Muniz
Trilha sonora: Zilá Muniz e Javier Venegas
(músicas de Steve Reich)
Designer gráfico: Lena Muniz
Fotos: Camila Ribeiro, Cristiano Prim, Vicente Mahfuz e Marcos Klann

O espetáculo foi montado por meio de prêmio do Concurso de Artes Cênicas n. 001/FCFFC/2008, da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes - PMF.



O lugar do acontecimento
Por Ida Mara Freire (professora e dançarina)

Criar um espetáculo. Fazer alguma coisa do nada.  Ler um texto e gerar uma corporeidade. Buscar outro tempo. Inventar um lugar para o acontecimento. O espectador poderá exercitar o olhar e constatar por si próprio como o espetáculo Socorro interroga o ser-no-mundo.

Em cartaz nos dias 13, 14 e 15 de Novembro no teatro da UFSC as 20hs, encenado pelo Ronda Grupo de Dança e Teatro, dirigido e concebido por Zilá Muniz, composto pelos intérpretes-criadores:  Egon Seidler, Elisa Schmidt, Karina Degregório, Paula Bittencourt, Vicent Mahfuz, o espetáculo é  uma  possibilidade de leitura da obra “Gritos de Socorro” de Peter Handke.  Diríamos uma leitura incalculável  já que convida-nos a continuá-la lendo em diferentes momentos e contextos. Tendo como marca d’água no corpo em cena – a dança, o teatro e as formas animadas exigem um jogo de olhar do público, para além das costumeiras indagações: Isso é dança?  Isso é teatro? Seria isso dança-teatro? Talvez, outras perguntas possam ser suscitadas...

Que dança habita o meu corpo?  Indaga a coreógrafa Zilá Muniz, ao descrever o trabalho de improvisação com o “Ronda Grupo de Dança”.  Fala-nos assim, de um jogo da dança própria de cada um: uma qualidade de se mover que um dançarino tem e ele vai acentuando a sua singularidade gestual. Instiga-nos ao comentar que nessa experiência intérprete-criativa o dramático não é dramático. Seria pós-dramático?  Na escrita de Hans-Thies Lehmann “a dança é radicalmente caracterizada por aquilo que se aplica ao teatro pós-dramático em geral: ela não formula sentido, mas articula energia; não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela  é gesto.”
 
O cenário de Fernando Marés com a iluminação de Camila Ribeiro e Irani Apolinário e o figurino assinado pela coreógrafa, criam uma atmosfera onírica: Tempo para deter o olhar – contemplar.  A musicalidade de Steve Reich, povoada pela presença das formas animadas, orientadas por Valmor Níni Beltrame,  provoca o espectador criar naquele  espaço do tempo – o tempo do espaço. Perceber o que não está mais ali – lembrar.   O lugar do acontecimento, talvez não esteja nem no corpo do ator-dançarino nem no olhar da platéia, mas no entre, nesse lugar litorâneo, já conhecido por nós, mas nem sempre habitado. Quem sabe estaria no lugar do conto, ou na voz do silêncio ou ainda nos gritos inaudíveis de socorro.




Crítica ao espetáculo Socorro
Por Afonso Nilson (Produtor cultural/Mestre em Teatro pelo CEART/UDESC)

O espetáculo Socorro, dirigido pela coreógrafa Zilá Muniz, toca  em questões tão intensamente contemporâneas que impressiona como, quase que com apenas “metáforas visuais”, os atores-bailarinos conseguem tanta clareza em sua reflexão sobre o modo de vida em que estamos inseridos.

“Gritos de Socorro”, texto do austríaco Peter Handke  que serviu de roteiro para montagem do espetáculo pelo Ronda Grupo de Dança e Teatro,  usa a linguagem não verbal para elaborar um discurso sobre as relações de coexistência entre as pessoas no mundo contemporâneo, seus conflitos e as regras a que estão submetidas. Para pôr em cena essas questões, o grupo se utilizou de dança, teatro de animação, enunciações sobrepostas, jogo de sombras e uma trilha sonora de grande qualidade técnica e sugestiva.

O aproveitamento estético das correlações sugeridas no texto e a maneira como a montagem sugere as inter-relações das coreografias com o tema proposto é um dos pontos fortes do espetáculo. Com iluminação precisa, favorecendo os jogos de segundo plano e cenas simultâneas, a beleza plástica da movimentação coreográfica dos atores sintetiza, juntamente com a excelente trilha sonora montada pela diretora, um aparato simbólico capaz de, sem enredo, tornar-se compreensível e ainda mais, provocar identificação.

Não é por acaso que certas cenas podem provocar um desconforto na platéia, quando no jogo entre vontade e resistência vemos o poder do mais forte arremessar repetidamente para trás o mais fraco; quando vemos transformado em boneco o corpo do ator-bailarino, manipulado indiscriminadamente pelo grupo que o cerca; ou quando vemos o “não” enunciado pelo ator se misturar aos outros “nãos” emitidos pela atriz até quase a incompreensão. Estas pequenas cenas que se sucedem como num apanhado metafórico de situações cotidianas provocam o desconforto justamente por serem habituais, e de certo modo, reconhecíveis no dia-a-dia.

Tal como na montagem do Grupo Teatro Sim Porque Não, “O Pupilo Quer ser Tutor”, as metáforas de Handke vão mais fundo não pelo drama específico dos personagens que retrata, mas pelas correlações com uma realidade tão avassaladoramente presente, que é impossível ficar inerte a explosão de significados que o autor suscita. Neste aspecto, a montagem do grupo Ronda alcança também o patamar simbólico que insere o público num universo que à primeira vista parece áspero, difícil e até aleatório, mas que aos poucos se torna tão real, tão presente que é impossível não se saber pertencente a este mundo que não raras vezes se define pela aspereza, dificuldade e aleatoriedade.





PROJETO SOCORRO CIRCULAÇÃO
 

(clique nas imagens para ampliá-las)

Socorro circulação, contemplado pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2010, propôs apresentações do espetáculo de dança Socorro na região centro-oeste do país – Cuiabá/MT, Gama/DF, Goiânia/GO e Campo Grande/MS.

O Ronda Grupo promoveu um intercâmbio com bailarinos, dançarinos, companhias, academias de dança, estudantes das Artes Cênicas e demais interessados. Em cada uma das cidades, após a primeira apresentação, também aconteceu uma conversa para a troca de informações sobre o processo de criação do trabalho, os meios de pesquisa utilizados e o encontro entre a dança e o teatro de formas animadas, oferecendo caminhos para possíveis pesquisas na área.

A oficina “Improvisação e Criação em Dança”, com 03 horas de duração, também foi oferecida gratuitamente em cada cidade. Conceitos como dramaturgia, fluxo, espaço e outros, foram abordados e vivenciados corporalmente por meio de exercícios.


Por Zilá Muniz

Como é bom sair de casa...
Outro dia ouvi de alguém:
- Só sei começar quando termina
Como diretora do Ronda Grupo, foi assim que me senti ao retornar para casa no dia 1 de maio após 18 dias viajando, apresentando Socorro, compartilhando os processos de trabalho do grupo, tanto nas conversas como nas oficinas práticas e vivendo junto com o Egon, a Karina, a Paula, o Vicente, o Heitor e a Florzinha a experiência de construção de mais um pedacinho da história do Ronda.
A viagem nos proporcionou vários momentos muito ricos, tanto na experiência pessoal como no contexto de trabalho artístico do grupo e que nos forneceu um retorno significativo. Alguns destes momentos aconteceramdurante as conversas com o público logo após as apresentações e foi gratificante poder ouvir sobre como Socorro chega às pessoas.
 Inspirada por estas conversas e pelos depoimentos do publico em relação ao espetáculo e ao trabalho de corpo dos intérpretes, faço esta pequena reflexão para compartilhar algumas das questões que surgiram. Refletir e discorrer sobre o processo de criação de Socorro despertou a consciência sobre esta potencia de vitalidade que é criar. Vitalidade que nos deixa atentos, vivos a tudo que nos rodeia, nada fica de fora, tudo pode virar material de criação.
Em primeiro lugar, pensar e contar um pouquinho do processo de criação e seus procedimentos para responder às perguntas nos remeteu ao processo de montagem, lá em 2007/2008 quando depois de muito experimentar e pesquisar foi se definindo cada cena, cada sequencia e cada jogo. Portanto, este processo no fez refletir sobre nossas escolhas e até anos confrontarcom estas mesmas escolhas. Por vezes, reforça a intenção que trabalhamos desde o início, no sentido mais abrangente, de produzir cenicamente acontecimentos lúdicos em que a afetividade seja liberada.Noutras, de despertar um olhar sobre o que fazemos, ou como o fazemos.
Algumas destas questões interessam discutir aqui, a exemplo da maneira como trabalhamos com“contraste” e também a apropriação da logica do sonho como fator determinante para a temporalidade ali apresentada. Socorro não trabalha com a narrativa linear, e sim com uma estrutura fragmentada, não existe oprincipio,o meio e o fim como tradicionalmente conhecemos. As cenas se entrelaçam, se complementam, o tempo que ali se instala é o tempo do sonho, onde não se reconhece um começo ou um fim, só se percebe que algo acontece quando já esta acontecendo. Neste sentido propomos uma temporalidade própria do acontecimento, alguns momentos isto causa ruídos de inquietação na plateia, de tal modo a afetar o espectador não só mentalmente como também corporalmente.
O acontecimento deixa explícito a processualidade que lhe é própria,assim a poesia cênica conduz o principio progressivo de encadeamento das cenas que tramam com o texto sentidos para cada momento, para cada estímulo, para cada jogo ou ainda para cada corpo. Quando pensamos em corpo, devemos também incluir o corpo do espectador que reponde as questões primeiras da criação de Socorro. O corpo boneco, o corpo humano, o corpo intérprete o corpo espectador, o corpo instrução, provocação. Socorro nos apresenta estados energéticos de estar no mundo, de interrogar esta estada no mundo ainda que de forma sutil e delicada. Esta maneira poética e lúdica de tratar temas que doem no corpo, na carne, é o desafio do grupo.
Durante as conversas ouvimos espectadores ávidos para procurar o sentido nas emoções e sentimentos que Socorro fez aflorar, buscando confirmaçãopara suas inquietações. Nas relações criadas entre cada espectador para o que ali se apresentou, podemos encontrar pontos em comum e de maneira geral fica um silencio um momento de suspensão do tempo real, criando umtempo do olhar. Um tempo de-vagar pela cena. O espectador sente que faz parte das metáforas que ali se apresentam e se identifica ora com o boneco, ora com o humano.
Também aparece de forma clara a compreensão de que nenhum dos elementos que fazem parte da cena intervém como centro da articulação, senão que a composição se sustenta para ilustrar o olhar sobre o humano. Portanto a presença de um elemento reclama, exige a presença do outro.  O recurso associativo imprime no olhar do espectador a compreensão sobre o todo, é na justaposição das camadas metafóricas queo contraste entre os elementos elegidos serve para dilatar os sentidos.
Por fim, outra questão que surgiu com frequência é quanto ao vocabulário e gramática de movimentos que se apresenta em Socorro. Fica evidentecerta curiosidade do espectador quanto à origemda movimentação e uma estranheza por se diferenciar de uma concepção de dança mais tradicional, por serem movimentos não usuais. Na concepção de Socorro e no processo de criação e seleção do repertório de movimentos originados de improvisações, sempre estruturadas por estímulos, existe um trabalho meticuloso de escolha, de manipulação e de articulação deste material.   O que podemos definir, após quatro montagens (Movimento para 6 - 2006, Socorro - 2008, Cuida de mim e Lugar nenhum – 2010), como um procedimento do grupo, uma forma de trabalhar que faz parte de nossos processos de criação e consequentemente como uma estética própria que começa a se configurar. Pode se dizer que é o que nos define.